“Estrelas fritas com açúcar”: a mãe da Dudalina

Faz tempo que não falo de um livro por aqui (um verdadeiro crime), então vamos a uma sugestão de leitura que veio a mim no momento certo: enquanto eu buscava uma reconexão com quem eu era, ele me mostrou em quem eu estava me tornando. Estou falando de “Estrelas fritas com açúcar”, de Leticia Wierzchowski.

Fiz essa leitura em 2022, às vésperas de dar à luz, após o parto e ao longo dos primeiros meses de vida do Luca; sim, a rotina de mãe de um recém-nascido fez com que eu demorasse bastante para concluir a leitura, apesar de estar amando o livro. Escolhi ler “Estrelas fritas com açúcar” naquele momento porque queria me reconectar com a minha essência, minha paixão pela moda e por boas histórias. A obra conta a história de Adelina Hess, a fundadora da Dudalina, de forma romanceada: desde sua juventude na pequena cidade de Luis Alves, na década de 1940, até sua morte, em 2008.

Leticia Wierzchowski vai contar a história dessa mulher trabalhadora e visionária com a ajuda da própria Adelina, através de seus diários e também das Três Moiras, as fiandeiras do Olimpo – as tecelãs da vida não poderiam ser narradoras melhores para uma história como essa, de uma mulher que mudou a história da moda no Brasil. Vamos conhecendo melhor Adelina, que sempre teve tino para os negócios – tanto que fazia a gestão da mercearia da família – mas também tinha um outro talento muito especial: a maternidade.

Trechos do diário de Adelina Hess aparecem ao longo do livro

E por isso que eu digo que este livro me encontrou na hora certa: fui buscando um livro de moda com romance, encontrei um tratado apaixonado sobre a dedicação de se tornar e ser mãe. Adelina teve dezesseis filhos (!) e acompanhamos cada uma de suas gestações ao longo do livro, e o quanto a maternidade era uma verdadeira força para que ela buscasse conquistar ainda mais seu lugar no mundo, não o contrário.

“Voltei de São Paulo um pouco antes das eleições e trouxe muita mercadoria nova. A barriga não me incomoda nessas viagens: meus filhos assim vão aprendendo a trabalhar desde pequenos.”

(trecho do diário de Adelina Hess, dezembro de 1950)

Já ia pulando uma parte importante e linda, afinal, filho não se faz sozinho: como é bonito ler a história de amor entre Adelina e Rodolfo, o Duda (já entendeu a origem do nome da marca de camisas?). Como eles se conheceram, como construíram o relacionamento, o casamento, o apoio no amor e nos negócios ao longo dos anos… Duda era um romântico, um poeta, uma alegria – é uma delícia de ler.

“Casei-me com um homem que angaria afetos por onde passa. Na venda, todos me perguntam por ele. A sua bondade espalhou-se, dizem que ajuda os outros, que empresta dinheiro a juros baixos aos mais necessitados. Duda tem um coração de ouro, embora seja turrão às vezes. Brigamos pouco, ele me cerca de carinhos. Maçãs e laranjas com poemas, bilhetes de amor sobre a cama…”

(trecho do diário de Adelina Hess, dezembro de 1950)

A primeira camisa

Tudo começou com um erro: Adelina sempre fazia questão de ir às compras dos produtos que eram revendidos na loja da família, mas havia acabado de dar à luz sua filha Tida. Portanto, Duda foi sozinho para São Paulo, na região da 25 de março, comprar os tecidos que ofertavam aos fregueses – e um tecido fino com estampa xadrez ficou encalhado.

“Centenas de metros do tecido estavam atravancando o depósito, era um prejuízo inesperado. (…) Recostou-se no balcão, pensativa. Sabia que Duda a esperava para um chá, mas alguma coisa se formava dentro dela, uma ideia, um caminho… Com paciência, deixou a ideia aterrar, encontrar os lugares certos na sua cabeça. Então, alisando o vestido empoeirado da viagem – um gesto que a ajudva a colocar os pensamentos em ordem – Adelina olhou a outra (Ana, que a ajudava com os afazeres domésticos) e disse, subitamente:

– Pegue uns metros de tecido, agulhas e linhas e venha comigo. – Ela escolheu uma tesoura nova, grande, e outra pequena, de cortar unhas. – Acho que tive uma ideia.”

(Estrelas fritas com açúcar, pg. 205)

Os tecidos revendidos na mercearia de Adelina eram, em geral, tecidos mais grossos: ideais para as “lides da casa”, como itens de cama e mesa. Aquele xadrez era um tecido fino, que serviria melhor para roupas. A ideia de Adelina era simples: baseando-se nos conhecimentos de corte e costura que aprendeu ainda no colégio, ela escolheu uma camisa de Duda que tinha bom corte e caimento, desmanchou as costuras e fez um molde.

“Ninguém sabia, mas era uma noite especial, a mais especial de todas. Na cozinha, sob a luz amarelada do gerador, Adelina desfez a camisa e preparou um molde. Ela trabalhava com cuidado, concentrada, fazendo a primeira camisa da vida. (…) Ninguém sabia, mas Adelina começava ali um sonho, um caminho, um horizonte. Fio a fio, com suas mãos longas, ágeis para o trabalho.”

(Estrelas fritas com açúcar, pg. 206 – 207)

Ainda naquela madrugada, Duda provou a primeira camisa feita pelas mãos de Adelina; ficara ótima, com caimento perfeito. Adelina trabalhou o domingo inteiro e, na segunda-feira, uma arara de camisas esperava os clientes na venda – as primeiras de muitas.

Nasce a Dudalina

Em maio de 1957, nasceu a Dudalina. A fábrica cresceu rápido, as vendas se espalharam pelo Paraná, com pedidos para além da pequena Luis Alves. Adelina deixou a mercearia para ser administrada por Duda e mergulhou de cabeça nos “negócios das camisas”.

A empresa que começou com máquinas de costura instaladas nos quartos dos filhos de dona Adelina – e tinham que ser desmontadas toda noite, para as crianças dormirem – cresceu, expandiu e se tornou a maior camisaria do Brasil, com mais de 105 lojas e exportando para mais de 50 países. Motivo de muito orgulho para a mãe da empresa:

“Viajei para Nova York com Sônia (Hess, filha de Adelina) e descobri um blazer de patchwork – comprei-o e trouxe para casa, pois achei ali uma ideia nova. O embrião de um desejo antigo: reutilizar as muitas sobras de tecido da fábrica da Dudalina. Com eles, comecei a fazer roupas para o comércio, e agora estou estudando a ideia de fazer colchas também. Lindas colchas com retalhos. Criar beleza usando o tecido descartado da Dudalina, isso tem me deixado muito, mas muito feliz. Além disso, a Dudalina segue crescendo. Estamos construindo uma fábrica em Terra Boa, no Paraná, e já somos a maior exportadora de camisas do Brasil. Escrever isso enche meus olhos de lágrimas, pois só eu sei quanto lutei, o imenso quinhão de trabalho vencido desde que desmontei uma camisa do Duda, lá em Luis Alves, e começamos a costurar no quarto dos meninos (…). Todos nós estamos muito orgulhosos.”

(trecho do diário de Adelina Hess, maio de 1991)

A escrita de Leticia Wierzchowski é muito envolvente: transitamos pela biografia romanceada de Adelina e Duda, os trechos de diário e a conversa entre as Moiras do Olimpo com fluidez e delicadeza. Vale lembrar que ela também é autora de “A casa das sete mulheres”, outro livro incrível que foi adaptado para minissérie no começo dos anos 2000. E eu já coloquei outro livro da Leticia na minha listinha para ler esse ano: “Deriva”.

“Estrelas fritas com açúcar” é uma leitura emocionante e inspiradora. Recomendo para interessados em moda, apaixonados por romances e histórias familiares, empreendedores, mães… vocês não vão se arrepender!

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